É de costume
ouvirmos das pessoas “vivemos dias”, “vivemos em um mundo”. Porém, gostaria de
dizer que sobrevivemos em um mundo onde o “pensar” sobre conteúdos mnêmicos não
é sinônimo de ser uma pessoa forte, segura ou feliz.
O “pensar
sobre” causa desprazer e mal-estar em um mundo onde, somos reféns da obrigação
de “fazer”. A contemporaneidade nos agracia com muitas ferramentas e condições
para sobrevivermos externamente e materialmente falando, mas deixa a desejar
quando o assunto se direciona para um mundo totalmente subjetivo, requerendo
certa calmaria na agitação do dia a dia para “pensar sobre”.
Diante desta
perspectiva a proposta aqui sugerida é que você, querido leitor, possa através
da leitura, refletir e pensar sobre o seu mundo interno, procurar uma escuta
cuidadosa, atenta e, sobretudo acolhedora (um analista) para ter a experiência
de chegar ao insight e tolerar certa cota de frustração.
O “pensar
junto” é quando o individuo se propõe estar diante do outro, neste caso diante
do analista real, para compartilhar tudo aquilo que um dia passou pela sua
mente. O pensar causa tristeza, porque cada vez que tomamos consciência de um
pedacinho da realidade, temos um sentimento de dor, mal-estar, desconforto,
frustração e até pensamos; “talvez eu não sirva”, “não tenho perfil”, “ não me
encaixo”, causando no individuo a sensação de ser indesejado.
“Se o
primeiro e maior desejo do humano é o de ser desejado, também é quebrando esse
desejo narcísico que se olha para o verdadeiro eu.” (Martino, 2011).
O pensar
está ligado aquilo que Freud (1856 - 1939) chamou de autopreservação, portanto,
é uma vicissitude que todo o sujeito humano, a principio possui, se o indivíduo
está impossibilitado de pensar é porque alguém está pensando por ele,
deixando-o em uma posição de conforto e comodismo ou em uma posição passiva de
dominação, subjulgando o individuo e impedindo que ele pense, gerando uma
dominação. Sendo assim, o individuo não tem contato e muito menos consegue
alcançar a capacidade para fortalecer o verdadeiro eu.
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Sigmund Freud (1856 - 1939) |
O “pensar”
dentro do setting terapêutico não funciona pautado na dedução e sim na
intuição. A dedução está limitada ao fenômeno, aquilo que podemos perceber e
distinguir através dos cinco sentidos. Criar um ambiente acolhedor para que o
analisando possa pensar, requer do analista certo desapego da dedução. A
psicanálise não deve usar deduções como método, mas usa a intuição como
ferramenta.
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Immanuel Kant (1724 - 1804) |
Immanuel
Kant (1724 - 1804) diz que podemos conhecer a priori apenas os fenômenos (do
grego, phainomenon, “o que é visto, o que surge aos olhos”), contudo está mais
próximo da dedução (perceptível aos cinco sentidos), não podemos conhecer a
coisa em si. O noúmeno que é a coisa em si e não precisa dos cinco sentidos
para discernir, entra no âmbito da intuição, ou seja, aquilo que é incognoscível,
que não podemos conhecer de fato o que é. Dentro do setting terapêutico o que
acontece é o noúmeno e não o fenômeno.
O sujeito
que vive restringido à dedução e não pode pensar sobre o que acontece a sua
volta, acaba adoecendo, ele se vê obrigado a caminhar conforme o fluxo tóxico
das massas, tendo que deduzir tudo e todos a sua volta. Todavia, se torna
impossibilitado de pensar sobre o seus conteúdos internos e sobre o que recebe
do mundo externo. Um dos maiores problemas da geração atual é que em grande
maioria, ela não é pensante.
O papel do
analista em hipótese alguma seria embutir pensamentos na cabeça do analisando e
sim o de questionar os pensamentos que este trás para o setting terapêutico,
sempre abrindo mão do fenômeno dedutivo.
Enquanto o mundo
é regido por uma onda de deduções e pela ânsia no conhecimento da verdade,
dentro do setting terapêutico o individuo pode pensar sobre sua ignorância
diante do analista que deve estar, também consciente da sua ignorância não
usando de títulos ou qualquer outra coisa para se colocar numa posição de
superioridade frente ao analisando. Dentro deste cenário podemos citar o mito
da caverna de Platão, onde ele narra um diálogo entre Sócrates e Glauco, o
irmão mais velho do narrador. Segundo conta, as pessoas viviam presas,
acorrentadas dentro da caverna, o que podiam ver eram apenas sombras projetadas
na parede, desconheciam todo o mudo fora da caverna, até que uma pessoa ao
soltar-se vai até a parte externa da caverna, conhece a luz e tudo o que existe
do lado de fora.
Podemos
pensar então que as pessoas que estão do lado de dentro são ignorantes, e as
pessoas que estão do lado de fora são conhecedoras da verdade, entretanto ambas
as pessoas são ignorantes. Isso pois, existem duas modalidades de ignorantes: os
que não têm consciência da sua ignorância e os que têm essa consciência. Jamais
o analista deve pensar que sabe tudo, pois assim se tornará arrogante e com
esta prática um estúpido. "O
arrogante, mesmo não sabendo da realidade, afirma saber, e o estúpido vai além
e “age” como se não fosse ignorante." (Martino em O Livro do Desapego,
2015, p.g. 144)
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Wilfred Bion (1897 - 1979) |
Através da
originalidade de suas contribuições, Wilfred Bion (1897 - 1979) em sua Teoria do Pensar (1962) ,
acrescenta-nos que o pensar emerge como uma saída, uma espécie de recurso para
lidar com a frustração.
“O essencial
é invisível aos olhos, e só se pode ver com o coração.” O Pequeno Príncipe –
Antoine de Saint-Exupéry
Aline Fiamenghi
Psicoterapeuta
aline.fiamenghi.carmo@gmail.com
Parabéns meu amor.
ResponderExcluirA cada dia você tem me surpreendido. Tenho a convicção que você será uma exímia profissional e poderá contribuir nos dias atuais.